segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Peça: SE UM EXISTE OUTRO SOME, na Flaskô


“Se um existe outro some” é uma adaptação da peça “Os Azeredo mais os Benevides”, escrita em 1963 por Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, na época do CPC (Centro Popular de Cultura). O espetáculo estrearia em 1964 e inauguraria o teatro da UNE (União Nacional dos Estudantes), no Rio.   A grande expectativa em torno da estréia, entretanto, deu lugar à frustração: em 1º de abril de 64, um dia depois do golpe que instaurou a ditadura no Brasil, o teatro da UNE foi incendiado e destruído pelos militares, o que inviabilizou as apresentações de “Os Azeredo…”.   A peça é um dos textos mais avançados da obra de Vianinha, muito influenciado pela obra de Bertolt Brecht, com forte referência à Mãe Coragem. Em “Os Azeredo…”, Vianinha, em sua busca incessante por uma dramaturgia que colocasse em questão os problemas brasileiros a partir de uma perspectiva crítica, começa a se distanciar da forma dramática e a se aproximar do teatro épico dialético.   A partir da história da exploração de um grupo de lavradores que, em 1910, vão para a Bahia plantar cacau nas terras de um jovem burguês, filho de uma tradicional e decadente família carioca, o autor tenta dar conta de uma série de temas relacionados à formação e operação do capitalismo no Brasil.   Vianinha procura desmascarar os mecanismos de sustentação do capital, ao mesmo tempo em que trata de elementos brasileiros. Na obra, são examinadas as relações de favor que escamoteiam a exploração no campo, viabilizam a cooptação dos empregados e fomentam o individualismo e a disputa entre os lavradores.
A peça também coloca em questão o “desenvolvimento” baseado nos ciclos de modernização conservadora, que, ao mesmo que tempo em que promovem a dependência econômica ao capital estrangeiro e submetem os pobres do campo a processos contínuos de expulsão territorial, geram riqueza às elites – e só por esta razão se justificam.   O Estado é exposto como instrumento usado pelas classes dominantes para fins privados e como meio de legitimar a violência para garantir a manutenção da ordem social.   O Brasil moderno nasce desses processos, que se encerram, ou recomeçam, na expansão das periferias das grandes cidades. No campo, prevalece a concentração de terras no Brasil e a produção baseada na exportação de produtos primários. Um número reduzido de corporações estrangeiras, organizadas em cartéis e associadas a grandes fazendeiros, controlam a produção dos principais gêneros agrícolas (soja, cana-de-açúcar, milho, laranja etc).   A propriedade rural continua inquestionável, ainda que a maioria dos latifúndios seja fruto da grilagem de terras. A violência, via polícia, Justiça ou pistolagem, oprime os que se levantam contra essa ordem bárbara. Até hoje, na história do Brasil, não se fez reforma agrária, apesar da luta incansável dos MST e de outros movimentos sociais. Mais de 100 mil famílias permanecem acampadas em beiras de estradas país afora aguardando um lote e milhares de trabalhadores ainda são submetidos à escravidão.   A falta de apoio à agricultura familiar, somada à manutenção da pobreza no campo, impele jovens e famílias inteiras a migrarem para as caóticas e saturadas cidades grandes, onde irão competir freneticamente por trabalho e moradia.   Por todas essa questões a peça de Vianinha se mantém vital e, a cada cena, nos põem a refletir: de quem é o Brasil?

Nenhum comentário:

Postar um comentário